Bom dia, leitores. No post de hoje vamos conversar a respeito da possibilidade de o herdeiro poder pleitear a usucapião de um bem recebido por herança. Acompanhe.

O que é usucapião?

Podemos conceituar a usucapião como o instituto jurídico, admitido pela lei, através do qual uma pessoa adquire a propriedade de determinado bem, seja móvel ou imóvel, em decorrência de sua posse contínua e ininterrupta, agindo como se dono fosse da coisa por longos anos.

Assim, cumpridas as exigências legais, através da usucapião o possuidor pode se transformar em legítimo proprietário da coisa.

Ressalta-se, a sentença que reconhece a usucapião é constitutiva do título de propriedade. Ou seja, em razão da usucapião ser um modo originário de aquisição de propriedade, o possuidor não pagará tributo de transmissão, porquanto não incide ITBI sobre a aquisição de imóvel através deste instituto, justamente por ser um modo de aquisição originária, cujo objetivo consiste em atingir a função social da propriedade.

No julgamento do REsp. 1.818.564, o Ministro do STJ explicou que “a usucapião está claramente vinculada à função social da propriedade, pois reconhece a prevalência da posse adequadamente exercida sobre a propriedade desprovida de utilidade social, permitindo, assim, a redistribuição de riquezas com base no interesse público”.

Por fim, devemos apontar para vocês que no nosso ordenamento jurídico há diversas modalidades de usucapião, com características e prazos distintos, a saber: usucapião extraordinária (art. 1238 CC), usucapião ordinária (art. 1242 CC), usucapião especial rural (art. 1239 CC e 191 CF), usucapião especial urbana (art. 1240 CC, art. 183 CF e art. 9º Estatuto da Cidade), usucapião especial urbana coletiva (art. 10 do Estatuto da Cidade), usucapião rural coletiva (art. 1228 CC), usucapião especial urbana residencial familiar (1240-A CC), usucapião indígena, dentre outras espécies.

Conhecendo um pouco sobre a usucapião extraordinária:

Como mencionamos acima, há muitas modalidades de usucapião regidas pelo direito civil e demais normas. Todavia, vamos ater, nesse ponto, aos requisitos legais da usucapião extraordinária.

Segundo o art. 1238 do Código Civil, aquele que, por 15 anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Ainda de acordo com o parágrafo único do mesmo artigo, o prazo estabelecido de 15 anos, pode ser reduzido para 10 anos, se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Portanto, o prazo prescricional da usucapião extraordinária é de 15 anos, como regra, todavia, será de 10 anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele tiver realizado obras ou serviços de caráter produtivo (exercendo a função social da posse), além disso, para essa modalidade, a lei não exige que o possuidor prove que tinha justo título e estava de boa-fé, bem como não importa o tamanho do imóvel.

Vale dizer, a Segunda Seção do STJ já se pronunciou, inclusive, sobre esse tema (dimensão da propriedade) e decidiu sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 985), que “o reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento de seus requisitos específicos, não pode ser impedido em razão de a área discutida ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal”.

Na ocasião deste julgamento (Tema 985) o Ministro reportou à decisão do STF no julgamento do Recurso Extraordinário nº 422.349, onde ficou estabelecido pela Corte que o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana (outra modalidade de usucapião), não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel.

Entendimento do STJ proferido no julgamento do REsp.1.631.859:

Antes de responder ao questionamento feito no tópico do post de hoje, convém trazer à baila os ensinamentos mencionados pelo STJ, no julgamento do REsp. 1.631.859/SP.

Segundo informações obtidas através do acórdão, a herdeira (autora do pedido de usucapião) alegou ser a única possuidora do imóvel há mais de 30 anos, não tendo jamais sofrido qualquer tipo de objeção ou contestação por parte de seu irmão.

Contudo, a Sentença de 1ª Instância julgou extinto, sem resolução do mérito, o processo de usucapião de bem de herança, sob o argumento de que “havendo herdeiros a serem contemplados numa mesma herança, não é dado a um deles utilizar-se da usucapião, pois a herança é uma universalidade de coisas, achando-se em comum os bens do acervo hereditário, até a ultimação da partilha, onde teremos o condomínio de direito”.

Em sede recursal, o acórdão do TJSP negou provimento à apelação proposta pela recorrente, nos termos da seguinte ementa (grifo nosso):

USUCAPIÃO. Extinção sem julgamento do mérito por impossibilidade jurídica do pedido. Loteamento irregular. Imóvel objeto de doação e herança. Inadmissibilidade. Necessária regularização pelas vias administrativas. Recurso desprovido.

Nas razões do recurso especial, a recorrente sustentou que embora a posse seja decorrente de herança, ela sempre a exerceu de forma exclusiva, mansa e pacífica, por período superior ao prazo exigido em lei para a prescrição aquisitiva, não sendo possível afastar o animus domini exercido unicamente por um dos condomínios.

Em seu voto, a Ministra Relatora do STJ aduz que o propósito recursal consiste em “definir acerca da possibilidade de usucapião de imóvel objetivo de herança, ocupado exclusivamente por um dos herdeiros”.

Sabemos que à luz do artigo 1784 do Código Civil, com o falecimento ocorre a transmissão, desde logo, dos bens deixados pelo autor da herança em favor dos sucessores. Tal artigo consagra o Princípio da Saisine, que dispõe: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.

Na ocasião do julgamento deste REsp.1.631.859/SP, a Ministra pontuou que o “Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se manifestar acerca da possibilidade de condômino usucapir, em nome próprio, desde que atendidos os requisitos legais da usucapião“.

No acórdão, fora colacionado, dentre outras, as seguintes ementas (grifo nosso):

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMÓVEL EM CONDOMÍNIO. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO POR CONDÔMINO SE HOUVER POSSE EXCLUSIVA. 1. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse exclusiva com animus domini e sejam atendidos os requisitos legais do usucapião. 2. Agravo regimental provido (AgRg no AREsp 22.114/GO, 3ª Turma, DJe11/11/2013).

Nesse sentido:

AÇÃO DE USUCAPIÃO. HERDEIRA. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE. AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO PELO TRIBUNAL ACERCA DO CARÁTER PÚBLICO DO IMÓVEL OBJETO DE USUCAPIÃO QUE ENCONTRA-SE COM A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários. 2. Há negativa de prestação jurisdicional em decorrência de não ter o Tribunal de origem emitido juízo de valor acerca da natureza do bem imóvel que se pretende usucapir, mesmo tendo os recorrentes, levantado a questão em sede de recurso de apelação e em embargos de declaração opostos ao acórdão. 3. Recurso especial a que se dá provimento para: a) reconhecer a legitimidade dos recorrentes para proporem ação de usucapião relativamente ao imóvel descrito nos presentes autos, e b) anular parcialmente o acórdão recorrido, por violação ao artigo 535 do CPC, determinando o retorno dos autos para que aquela ilustre Corte aprecie a questão atinente ao caráter público do imóvel (REsp 668.131/PR, 4ª Turma, DJe 14/09/2010) (grifos acrescentados).

Em sua fundamentação final, a Ministra Relatora decidiu que (grifo nosso):

Sob essa ótica, tem-se, assim, que é possível à recorrente pleitear a declaração da prescrição aquisitiva em desfavor de seu irmão – o outro herdeiro/condômino –, desde que, obviamente, observados os requisitos para a configuração da usucapião extraordinária, previstos no art. 1238 do CC/02, quais sejam, lapso temporal de 15 (quinze) anos cumulado com a posse exclusiva, ininterrupta e sem oposição do bem.

Ressalta-se, nesse vértice, a necessidade de a recorrente comprovar não estar na posse do imóvel por mero ato de tolerância de seu irmão.

Conclui-se, portanto, que a presente ação de usucapião ajuizada pela recorrente não deveria ter sido extinta, sem resolução do mérito, devendo os autos retornar à origem a fim de que a esta seja conferida a necessária dilação probatória para a comprovação da exclusividade de sua posse, bem como dos demais requisitos da usucapião extraordinária”.

Conclusão:

À vista do exposto, podemos finalizar o post de hoje dizendo que o herdeiro pode pleitear a usucapião de um bem de herança. Entretanto, como ressaltado no julgamento, é necessário que os requisitos legais sejam estritamente observados para a configuração da prescrição aquisitiva.

Outrossim, frise-se que a usucapião somente se aperfeiçoa por meio da presença concomitante dos requisitos exigidos pela lei; de modo que a ausência ou insuficiência de um deles impede que a adquisição se concretize, independentemente do eventual cumprimento dos demais.

Portanto, atente-se que além das exigências estabelecidas pela lei, conforme mencionado acima, o herdeiro (autor da ação de usucapião) também precisa comprovar que não está na posse do imóvel por mero ato de tolerância dos demais herdeiros/condôminos. Isso porque o artigo 1208 do CC determina que não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância, assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou clandestinidade.

Pessoal, espero que vocês tenham apreciado o post de hoje. Foi redigido com muito carinho. Obrigada pela leitura.

Fonte: REsp.1.631.859/SP, REsp.1.818.564/DF, Tema Repetitivo 985 – STJ e RE 422.349.

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